quinta-feira, 1 de abril de 2010

Minha depressão pós-parto

Este é o relato de A. sobre a sua experiência com uma depressão pós-parto para o espaço Compartilhando do blog Tudo Sobre Saúde Mental (veja aqui como participar):

"Tive uma gravidez plena. Meu filho foi programado, desejado e muito querido. Entrei na sala de parto e observei à minha obstetra que eu não havia tomado sequer um Tylenol durante toda a gestação. Meu filho nasceu de parto normal, sem qualquer intercorrência, absolutamente saudável e com apgar 9 e 10. Poucas horas depois, devido a um sangramento intenso, tive que ir para o centro cirúrgico para conter a hemorragia, o que resultou numa anemia aguda e a necessidade de receber transfusão de sangue. Acabei ficando 6 dias na maternidade, apesar de ter tido parto normal. Nunca imaginei que anemia causasse um cansaço tão grande, de tal maneira que só consegui dar banho no meu filho quando ele tinha 15 dias de vida.

Não sei como conseguia amamentá-lo, e ele crescia visivelmente. Mas após cerca de 1 mês de vida, comecei a me sentir triste, o cansaço aumentava pela privação de sono e percebi que meu leite diminuía, o que talvez tenha feito ele começar a dormir pior, e tornar as minhas madrugadas longas e insones. Notei também que fiquei completamente inapetente, e a vontade e disposição para tomar água havia reduzido sensivelmente, o que certamente dificultava ainda mais a amamentação e me causava uma certa preocupação.


Talvez pelo convívio próximo de diversos psiquiatras, e sabedora do fato de que 80% das puérperas têm ao menos um “blues” puerperal, comecei a sentir medo de deprimir de verdade. Me esforçava ao máximo para reverter a situação, mas conversava abertamente com meu marido e outras pessoas próximas sobre os meus sentimentos, principalmente o fato de não estar curtindo o meu filho como eu imaginava, ou como as pessoas relatavam ser. Me culpava imensamente imaginando que teria um filho triste e deprimido por conta do meu estado psíquico.

Lembro que alguém me disse que logo depois que o filho nasce a gente ficava pensando como é que vivia antes sem ele. Eu me culpava por não ter tal sentimento e, pior, por pensar que “roubada era aquela em que eu havia me metido”, pois naquele momento tinha convicção de que não havia nascido para exercer a maternidade.

As mulheres muito próximas me confessaram que ter um filho não era todo aquele romance que a gente costuma ouvir. O começo é dificílimo. A gente cuida do filho por puro instinto, e parece que viramos bicho. Você não é mais dona do seu corpo, do seu tempo, das suas vontades, de absolutamente nada. Você passa a tomar banho, comer, beber, fazer suas necessidades fisiológicas quando der, quando houver uma brecha para tanto. Lembro que a cada intervalo das mamadas eu programava uma “atividade”, que nada mais era do que o meu banho, o meu almoço, jantar etc. O meu dia funcionava conforme o horário das mamadas.

Antes do meu filho nascer, muitas amigas me diziam sobre a dor quase que insuportável de amamentar, que os bicos do seio rachavam, sangravam etc. Não sei se me preparei psicologicamente pra isso, ou se o meu limiar para a dor é alto, mas a dor de longe não chegou a ser um problema pra mim. O mais difícil era a rotina, a mesmice, a madrugada solitária. Nunca imaginei que amamentar, principalmente durante a madrugada, trouxesse tanta solidão. A única distração naqueles momentos era olhar pela janela e ver a mesma paisagem de sempre, ou checar meus e.mails e a previsão do tempo pelo celular, que se tornou o meu grande companheiro das madrugadas.

Quando meu filho terminava de mamar, torcia para que ele não fizesse cocô e também para que arrotasse logo, pois assim teria alguns minutos a mais de sono. Também torcia para que ao colocá-lo no berço, ele colocasse os bracinhos para cima, um sinal de que iria dormir e garantir alguns minutos de descanso a mais pra mim...

A clausura doméstica também começou a me causar um sério sofrimento. Eu que sempre trabalhei, e fui educada para ser livre e independente, comecei a achar que nunca mais iria sequer conseguir cortar o cabelo ou fazer as unhas. Sempre fui uma aficionada pela leitura diária do jornal, praticamente minha primeira atividade do dia, mas não conseguia nem ao menos “passar os olhos” na primeira página. A minha sensação era de que viveria um apagão, que haveria um período da minha vida que eu não teria qualquer registro do que havia acontecido no mundo.

Também comecei a sofrer muito com o fato de imaginar que nunca mais conseguiria voltar ao trabalho. E isso me causava muita culpa, me sentia um verdadeiro ET, pois pensava nas mães que largam o trabalho para cuidar de seus filhos e eu queria justamente o contrário. A minha terapeuta me alertou que as mulheres mentem muito a respeito da maternidade, e hoje tenho plena convicção de que ela está certa, pois se as mulheres contassem a verdade nua e crua eu acho que a humanidade não existiria.

Pois bem, chegou um momento que eu não aguentava mais e decidi passar por uma avaliação psiquiátrica, pois sentia que estava literalmente afundando, e meu medo era que as coisas continuassem piorando. Meu filho neste momento tinha cerca de 1 mês e meio de vida.

A psiquiatra que me atendeu foi extremamente acolhedora e o fato de ser MULHER e MÃE ajudou bastante. Ela me receitou um antidepressivo na dose mais baixa, para ser tomado à noite, o que me permitiria continuar amamentando, pois o meu filho tomaria uma mamadeira de leite industrializado na mamada seguinte.

Ocorre que, habituada à quase que total privação de sono imposta pela maternidade, comecei a sofrer de insônia. Não conseguia dormir mesmo nos momentos em que meu filho descansava como um anjo. Passados 4 dias, me sentia pior e literalmente à beira de um colapso, o que me causou muito medo de alguém ter que “assumir” o meu filho, apesar de ter total convicção de que meus familiares dariam conta do recado e entediam perfeitamente a situação pela qual eu estava passando, inclusive me apoiando em tudo quanto necessário.

Percebi também que o meu leite já estava escasso, apesar dele ser abundante no início, o que me permitiu inclusive fazer doações ao banco de leite. Notei também que não estava dando conta da situação, e que amamentar estava sendo uma tarefa extremamente árdua, o que também impedia minha psiquiatra de mudar a medicação e, assim, permitir uma melhora mais rápida.

Decidi então parar de amamentar, pois conclui que não teria condições de cuidar de meu filho sem antes cuidar de mim. Foi um pouco dolorido, mas confesso que ao mesmo tempo senti um grande alívio.
Também comecei a tomar ansiolíticos para dormir, pois toda a circunstância me fez ficar habituada à privação de sono. Essa necessidade me entristecia mais do que a introdução do antidepressivo, pois sempre fui uma pessoa sem qualquer dificuldade para dormir e, de repente, me senti com medo de ficar viciada em tais remédios.

Os medos eram muitos. Ainda hoje meus olhos enchem de lágrimas apenas de lembrar e escrever sobre os maus momentos pelos quais passei. E o pior era a sensação de que nunca sairia daquilo. Lembro perfeitamente de ver uma foto minha no casamento dos meus cunhados e ter a sensação de que aquela pessoa não era eu. Eu simplesmente não me reconhecia. O que eu mais precisava era que alguém me garantisse, com toda a segurança do mundo, de que eu sairia daquele estado. Quando você vive algo assim, a sensação é de que nunca vai melhorar, mas hoje eu posso garantir que melhora, e muito!

A minha psiquiatra me garantia que eu voltaria a ser a mesma pessoa de sempre, ou até melhor, pois teria uma experiência a mais de vida. Ela me assegurava que eu conseguiria voltar a trabalhar, viajar, ir ao cinema, e fazer duas coisas ao mesmo tempo, habilidade essa quase que exclusiva das mulheres.

Outro medo recorrente era a resistência do meu casamento àquela situação. Ficava imaginando o quanto de compreensão é necessário o parceiro ter para encarar o desafio. Sempre que nasce um filho o homem certamente perde um pouco (ou bastante) o seu espaço, e tenho certeza que essa situação se agrava muito mais quando a mãe sofre uma depressão pós-parto. Para a minha sorte, contei com todo o apoio, carinho e compreensão do meu marido, que sempre me dizia que o episódio nos uniria ainda mais. Mas posso imaginar que poucos homens estejam preparados para enfrentar esta situação, e neste caso também devem buscar ajuda de um especialista, pois acredito que podem acabar deprimindo também. Afinal, aquele momento que imaginávamos que seria “mágico” acaba se tornando nada prazeroso.

Uma coisa muito difícil também é o fato de que qualquer pequeno problema toma uma dimensão MUITO maior nestes momentos. Aquilo que antes não te abalaria em nada, se torna o MAIOR problema, e praticamente desaba o seu mundo, fazendo com que você tenha a sensação de retornar à estaca zero, caso já tenha começado a se sentir um pouco melhor.

É preciso ter muita paciência, pois é um caminhar lento, que pode envolver muitos passos adiante e alguns para trás, e estes são praticamente insuportáveis de lidar. Quando comecei a melhorar, o meu maior medo era de regredir, de voltar ao pior estado em que estive. Era um medo muito presente e que me afligia demasiadamente.

Não sei se hoje posso dizer que estou “curada”, mas posso afirmar que sou MUITO mais feliz como mãe e carrego muito menos culpas.

Pouco depois que meu filho nasceu, quando comecei a me sentir deprimida, eu chorava imaginando que não conseguiria ter outros filhos, e que ele seria meu único filho, o que nunca esteve nos meus planos antes de engravidar. Hoje ainda estou um pouco longe de programar uma nova gestação, mas já consigo vislumbrar a ideia de ter um outro filho, ainda que pra isso tenha que passar por tudo novamente, pois sei que existe uma saída, que antes eu não conhecia.

Acho que vivi a melhor e a pior experiência da minha vida num curtíssimo espaço de tempo. Não sei se a minha complicação pós-parto foi um fator determinante para o quadro de depressão pós-parto, e nem quero ficar especulando se tudo aconteceu em decorrência daquele fato. Talvez tenha sido apenas mais um fator que contribuiu para sua ocorrência, pois como relatado antes, as mudanças causadas pela chegada de um filho são tantas e tão intensas que parecem gerar um furacão interno.

Se alguém ao ler este texto estiver passando por uma situação semelhante, o meu conselho, se é que me permite, é que procure ajuda de um especialista o quanto antes, caso ainda não o tenha feito, pois é extremamente prejudicial prolongar este sofrimento.

Também quero dizer aquilo que eu mais precisava ouvir nos meus piores momentos: Eu te garanto que vai passar! Como dizia a minha mãe, tudo na vida passa, os bons e os maus momentos, e este também vai passar. O meu, acho que já passou!"

* * *

O espaço Compartilhando é destinado ao relato anônimo de pessoas que, generosamente, optaram por compartilhar sua experiência pessoal com um transtorno mental. Clique aqui para saber como participar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Excepcional esse relato!
Passei por algo semelhante no nascimento do meu primeiro filho. E qual não foi a minha surpresa ao perceber que no nascimento do segundo não tive nenhum sintoma depressivo!
Duas gestações, duas situações completamente opostas.

Tatiana Moya disse...

Este seu relato é muito importante. Uma depressão puerperal bem tratada pode impedir a recorrência do quadro numa próxima gestação. Quanto antes tratar o quadro, maior a chance de cura e menor o risco de recorrência. Por outro lado, a demora na procura pelo tratamento pode fazer com que o quadro se torne crônico, difícil de tratar e recorrente.

Luiz Alberto Hetem disse...

Quadro muito mais comum do que se pensa, que provoca grande sofrimento e desgaste desnecessários, tratável e curável.
Muito importante e rico este relato, na medida em que descreve em detalhes início, meio e fim do episódio depressivo, contribuindo para sua correta identificação e proporcionando boa orientação para mulheres enfrentando o mesmo problema.

Anônimo disse...

Estou passando por isso nesse momento, imagine, no meu terceiro filho...mas é como se fosse o primeiro, pois minha menor tem 10 anos.
É um sentimento, uma sensação terrível, uma tristeza sem fim. Muito bom ler esse relato e saber que passa, espero poder vir contar que a minha passou tb.