domingo, 7 de março de 2010

Como se faz o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar na infância

Até alguns anos atrás acreditava-se que o transtorno afetivo bipolar (TAB) - um transtorno do humor onde o portador pode sofrer fases de depressão, de euforia e/ou irritação - não ocorria em crianças. No entanto, pesquisas na área da psiquiatria da infância e da adolescência têm mostrado não só que este quadro pode estar presente em crianças como, se não tratado e diagnosticado precocemente, pode evoluir para um quadro grave, altamente incapacitante e com repercussões muito negativas para a criança, para a família e para a sociedade.


Prevalência

A ocorrência de transtorno afetivo bipolar (TAB) em crianças e adolescentes parece estar em torno de 0 a 0,6. Já a ocorrência de TAB em adolescentes parece ser similar a aquela em adultos e está em torno de 1,5%. Crianças filhos de de pai ou mãe com TAB tem um risco mais alto de desenvolver um problema de humor e apresentam um risco de cinco vezes maior de desenvolver um TAB que aquelas filhos de pais sem o diagnóstico.



Descrição dos sintomas diagnósticos

O diagnóstico de TAB na infância não é simples e deve ser realizado por psiquiatra infantil, até mesmo porque a apresentação deste quadro na infância geralmente não é típico. Crianças com TAB apresentam muito freqüentemente episódios mistos de humor (mistura de sintomas de depressão e euforia) ou de muita irritação, caracterizados por períodos curtos e freqüentes de muita instabilidade do humor, ao invés da clássica euforia do bipolar. O diagnóstico de TAB na infância deve ser feito mediante a detecção da presença de sintomas significativos de mania quando a criança está em crise, que são:

* euforia/ humor expansivo;

* humor irritável: crianças com TAB que experimentam este sintoma, em geral, apresentam irritabilidade episódica e extrema. Podem apresentar crises de birra por causas triviais que duram muito (por exemplo, fazem pirraça durante uma a duas horas porque se pediu para que amarrassem os sapatos). Manifestações de agressividade e comportamento auto-mutilatório pela criança podem acompanhar a irritabilidade;

* grandiosidade: a grandiosidade que pode ser considerada patológica é aquela em que excede as fantasias e a imaginação adequada para a idade da criança (por exemplo, uma criança de 8 anos de idade que pula da janela porque acredita que é o Super Homem);

* necessidade diminuída de sono: a criança pode dormir até duas horas a menos em relação a média que dormia antes de apresentar o quadro, sem apresentar sinais de cansaço durante o dia;

* pressão de discurso: a criança apresenta uma mudança na forma como fala em relação ao seu modo usual. Ela pode falar mais alto, mais rápido, falar muito, intrometer-se na conversa dos outros e ser difícil de interromper quando esta falando;

* pensamento acelerado: em geral este sintoma é referido pela criança com TAB em crise quando peguntamos a ela se parece que os seus pensamentos estão rápidos demais;

* distratibilidade: para ser considerado um sintoma de TAB a distratibilidade deve ser reflexo de uma mudança no funcionamento basal da criança, ou seja, a criança não era distraída e se tornou distraída, ou era pouco distraída e ficou muito distraída. Por exemplo, uma criança que antes era um estudante mediano na escola, tornou-se uma criança incapaz de se focar na sala de aula ou mesmo para fazer o seu dever de casa;

* atividade direcionada aumentada/agitação psicomotora: crianças quando em crise de mania podem desenhar exaustivamente, construir cidades com blocos de brincar extremamente grandes e elaboradas, podem escrever um romance num intervalo curto de tempo. Com relação a agitação psicomotora, deve ocorrer uma mudança do nível de agitação com relação ao funcionamento normal da criança, ou seja, num episódio de mania, esta agitação deve ser aumentada em relação ao usual da criança;

* envolvimento excessivo em atividades prazerosas ou em atividades que envolvem risco: crianças com TAB em crise, em geral, apresentam hipersexualidade (comportamento erotizado, buscador de prazer ou tentar, por exemplo, beijar a mãe na boca, tocar as partes íntimas dos outros, ou dançar de maneira erótica na frente do espelho, etc);

* psicose: sintomas como alucinações (ouvir, ver e ou sentir o cheiro ou a textura de algo que não é real) e delírios (acreditar em fatos que não são reais, por exemplo, que está sendo perseguido) estão presentes de maneira freqüente;

* suicidalidade: apesar de não ser um sintoma central na mania, crianças com TAB são de alto risco para ideação, intenção, planejamento ou tentativas de suicídio, principalmente se estão numa fase de depressão, num episódio misto (num mesmo período a criança apresenta sintomas tanto de depressão quanto de euforia) ou com sintomas psicóticos.


Limiar dos sintomas necessário para o diagnóstico

Alguns dos sintomas acima listados podem muito bem estar presentes numa criança normal e não serem decorrentes de um transtorno afetivo bipolar. Por exemplo, uma criança pode ficar muito eufórica após ter ganhado um brinquedo que desejava muito, ou ficar muito irritada por estar cansada ou com fome. Desta forma, o diagnóstico de TAB deve ser estabelecido com bases na estratégia "FIND". Ou seja, de forma que leve em consideração aspectos como Freqüência, Intensidade, Número e Duração dos sintomas maníacos:

* freqüência: os sintomas devem ocorrer a maior parte dos dias da semana;

* intensidade: os sintomas devem ser graves o suficiente para causar prejuízo extremo em pelo menos uma área da vida da criança ou prejuízo moderado em pelo menos duas ou mais áreas da vida da criança (como desempenho acadêmico, interação social, familiar, atividades de lazer, etc);

* número: sintomas ocorrem 3 ou 4 vezes ao dia;

* duração: os sintomas duram 4 ou mais horas por dia no total, não necessariamente de maneira contínua.

Uma vez estabelecido o diagnóstico de TAB na criança, é de extrema importância que se estabeleça o tratamento adequado com profissional especialista na área, para possiblitar que a criança saia da crise, tenha um controle adequado do quadro e possa continuar o seu desenvolvimento normal.

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As informações divulgadas neste blog não substituem aconselhamento profissional. Antes de tomar qualquer decisão, procure um médico.

Fontes: (1) Kowatch RA, Fristad M, Birmaher B e cols. Treatment Guidelines for Children and Adolescents with Bipolar Disorder: Child Psychiatric Workgroup on Bipolar Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 44:33, pág 213-35, 2005. Para ter acesso ao guideline na íntegra, clique aqui; (2) Kowatch RA, DelBello MP. Pediatric Bipolar Disorder: Emerging Diagnostic and Treatment Approachs. Child Adolesc Psychiatric Clin N Am 15(2006): 73-108; (3) DelBello MP, Geller B. Review of studies of child and adolescent offspring of bipolar parents. Bipolar Disord 2001;3:325-34; (4) Hodgins S, Faucher B, Zarac A e cols. children of parents with bipolar disorder. A population at risk for major affective disorders. child Adolesc Psychiatr Clin N Am 2002;11(3):533-53, ix.

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